O Luto e as Lágrimas


O Luto e as Lágrimas

O Luto e as Lágrimas

Falamos pouco sobre a vida e quase nada sobre a morte.

Digo para mim mesma e para aqueles que estão em luto que nunca “Perdemos” uma pessoa, apenas “devolvemos”.

Diversas culturas e religiões descrevem sobre a origem da nossa existência. Que a nossa essência não é deste mundo, para os cristãos: o corpo voltará ao pó e o espirito voltará para Deus (Eclesiastes 12;07), o corpo voltará para a natureza e o espírito se transformará em novas formas de vida (Buda), a vida do Espírito que é eterna; a do corpo é transitória, passageira. Quando o corpo morre, a alma retorna ao mundo dos espíritos que ele havia deixado temporariamente, para depois reencarnar (Livro dos Espíritos P.149), a morte não é o fim, mas a libertação para o começo de uma nova vida em um plano espiritual (judaísmo).  Enfim, podemos analisar com carinho que a frase: “Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana!” faz total sentido, sendo assim, apenas devolvemos nossos amores. Quando isso acontece ficamos com a saudade, saudade essa que aperta de forma diferente em cada coração. Existem varias teorias que estudam o luto, recentemente o luto esta incluso como causa de algumas patologias descritas no DSM V (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais). O que me faz pensar, sobre a importância de falar sobre a morte a fim de prevenir que o luto se transforme em um Transtorno Mental, ao invés de ser um processo natural do qual todos nós passamos ou iremos passar.

Apesar dos estudos e teorias serem de grande auxilio, cada ser é único, cada historia é única, cada despedida é única. Resumir o luto em fases e determinar um tempo “normal” para elaboração da dor é desejar padronizar algo que é único. Já ouvi pessoas dizerem que o luto assemelha a um buraco no peito, outras, dizem que é como estar em uma roda gigante, um dia estão para cima, e de repente, uma música, um cheiro, um local, um olhar parecido com o de quem se foi, faz com que o buraco apareça e a roda gigante despenque. Acolher essas emoções, respeitar os sentimentos, elaborar e dar um sentido para a dor da ausência, deixar que as lágrimas transbordem, falar sobre a ausência e a saudade, são processos normais e saudáveis para quem esta vivenciando um luto.

Para as pessoas que estão acompanhando um enlutado é necessário muito amor e empatia. Existem algumas posturas que não auxiliam. Imagine que você despediu de alguém muito querido, como seria para você, ouvir de um amigo ou familiar frases como:

“A vida é assim mesmo”

”A morte faz parte da vida”

“Todos nós iremos um dia”

“Está em um lugar melhor!”

“Deus sabe o que faz”

“Tudo passa, logo essa dor vai passar”

“Não fique triste, a pessoa que morreu não quer te ver assim”...

E ai? Você se sentiria melhor? Podem ser frases ditas com toda boa intenção, mas não acolhem, não ajudam!

Agora, imagine novamente que você despediu de alguém muito querido, então um amigo ou familiar aproxima de ti, olha em seus olhos com ternura e diz frases como:

“Eu sinto muito”

“Eu imagino que esta doendo, tem meu ombro a hora que precisar”

“Estou contigo, para te acompanhar nesta dor”

“Conte com meus sentimentos, estou aqui para o que você precisar”

“Você não esta só, eu estou aqui com você” imagine que essas frases são ditas seguidas de um abraço silencioso ou um carinho em  suas mãos... Acredito que se sentiria acolhido em sua dor.

Empatia é isso, colocar-se no lugar do outro, buscar através da compaixão, não extinguir a dor, mas sim, acolher... A dor do luto não desaparece, mas com o passar dos dias, ela vai tomando novas formas e novos sentidos. Uma esposa que devolve seu amado, um filho que devolve sua mamãe querida, uma garota que caminha com a ausência da sua melhor amiga, o aluno que vai para a escola e não tem mais a professora carinhosa, uma mãe amorosa e dedicada que devolve seu filhinho...  São dores, diferentes entre si com a mesma consequência: Saudade.

Sou fã da Cissa Guimarães, despediu do seu filho adolescente devido a uma infração de trânsito, sentiu sua dor e a transformou em algo grande e bonito. Continuou sua caminhada, auxiliando outras mães em luto, elaborou o projeto Circuito Rafael que criou pistas de skate e espaços seguros de cultura e lazer dentro dos túneis do Rio. Foi exatamente em um túnel, na Zona Sul do Rio, que o filho caçula de Cissa morreu em consequência de um atropelamento, ela segue em passos firmes como forma de homenagear o filho. Em uma de suas publicações ela escreve: “Porque você veio filho para unir as pessoas no amor! Minha dor é imensa, mas menor do que a minha GRATIDÃO por ser tua mãe e ter aprendido e recebido tanto amor de você!”.

Muitas pessoas desenvolvem e elaboram projetos lindíssimos através da dor do luto.

Que saibamos devolver os amores com o coração cheio de gratidão pelo tempo que foi permitido ao lado deles.

Esse texto foi escrito em homenagem a todas as lágrimas derramadas de saudade, em especial a querida cliente, mãe e esposa E.S.D. que cuida de tantas pessoas no hospital com suas mãos carinhosas, neste ano de 2021 devolveu seu pequeno filho e seu amado esposo. Minha admiração e profundo respeito por suas lágrimas seguidas de determinação em servir a vida, honrando e homenageando seus amores, através dos olhares daqueles que precisam e ainda irão precisar do seu amor e cuidado.

Encerro esse texto com os olhos marejados de saudades e gratidão por todos os amores que já me despedi e devolvi... Deixo como presente um poema de Wilma Oliveira.

"Saudade que trava é saudade vazia. Quando mantemos quem amamos num coração entupido de gratidão só pela oportunidade de ter compartilhado alguns dias de existência, sem exigir nada do outro, nem que ele esteja vivo pra que eu me alegre com ele; então a saudade é cheia e alegre. Cheia de amor verdadeiro, amor sem cobrança. Então a plenitude e a alegria pode ocupar o espaço da 'ausência'. Mas nesse ponto, a saudade não existe mais."

 

 

 

Fonte: Débora Clais