Chorar é Bonito


Chorar é Bonito

“Chorar é bonito

E não faz vergonha

Eu só acredito no homem

Que chora e sonha”

 

Com essa frase, extraída de uma música composta no século XX, pelo cearense Raimundo Fagner, gostaria de compartilhar algumas observações...

Duas décadas já se passaram do século XXI e o estigma continua. O que mudou em uma sociedade patriarcal, machista, que acredita que o homem não chora, não sente dor? Porque a dor é tida como sintoma de fraqueza? Porque a fraqueza é reservada à mulher???

Sou homem, hétero, faço terapia, choro e sonho. Creio que o poeta Raimundo Fagner creria em mim, se conhecidos fossemos. Mas você, caro leitor, tem a oportunidade de me ver desnudo neste texto. Conhece-me? Conhecer-me-á um dia?? Não sei! Não sabemos.

Só gostaria de compartilhar uma reflexão e uma experiência...

A pandemia do Corona Vírus e outros fatos me levaram a crises de pânico e de ansiedade. A minha primeira opção foi procurar uma médica clínica geral, querida amiga pessoal, que depois de vários exames clínicos, de ouvir os meus relatos e solicitar alguns exames laboratoriais concluiu: nada há a ser tratado por mim, aconselho tratamento psiquiátrico e terapêutico. Poxa vida, eu, homem, jamais!

Novamente me vem mais um trecho do nosso poeta cearense:

“Dizem que o homem não chora

Na vida eu penso

Por isso mesmo é que agora

Quero encharcar o meu lenço”

 

Talvez fosse o meu momento de encharcar o lenço, cedi. Primeiro procurei o psiquiatra, uma meia dúzia de drogas e tudo bem, eu não encharcaria o lenço.

Ocorre, meu caro, que nem tudo é como se imagina, ou como dita a cultura patriarcal.

Meses depois, vi-me na sala de espera de uma terapeuta, ao meu lado, apenas mulheres. Saiu uma mulher sorrindo da consulta, entrou eu, com os olhos avermelhados e o coração apertado, sem falar na curiosidade do que aconteceria nos próximos cinquenta minutos.

Foram cinquenta minutos de relatos e choros, não dela que pacientemente, acolhia as minhas dores e sorria ao final de cada frase. Sempre que as minhas lágrimas se rompiam, ela estendia um lenço de papel. Por necessidade, eu os usava e, por extinto, guardava-os no bolso.

Isso é uma terapia, uma enxurrada, uma cachoeira de lágrimas, de sorrisos e, principalmente, de sentimentos. O homem não chora? Vá à terapia, olhe pra dentro de si, deixe os seus sentimentos se manifestarem...

Duvido que não chore!

Ouça o nosso poeta: “Deixa rolar pelo rosto; Todo o pranto contigo; Sentir na lágrima o rosto; Chorar por todos os sentidos” tantos sentidos me levavam a guardar os lenços que, gentilmente, a minha terapeuta me ofereciam a cada lágrima. Certo dia, revelei-a que todos aqueles lenços eram guardados e que, um dia, contariam a minha história. Só um registro, eles estão aqui, diante de mim neste momento.

Entre as histórias dos lenços, nem tudo é dor. Diante à terapeuta não há homem nem mulher; há seres humanos que sentem dores e alegrias. Peço licença e, novamente, recorro-me ao nosso querido e íntimo poeta “Molhar a terra e pano; Pela guerra e pelo ser humano; Chorar na minha; Um choro de Pixinguinha; Por emoção ou prazer; Chorar de rir e de sofrer”.

Já me vi chorando, em sessão, por estar triste e por estar feliz, por não compreender se triste ou se feliz. Já chorei de vergonha por estar triste com problemas tão pequenos e por felicidade por ter problemas pequenos.

Alguns problemas foram grandes e me roubaram muitas lágrimas, mas, esses deixo para a vida e para o tempo. Ocupar-me-ei com aqueles que posso resolver e com os lenços de papel, que contam uma história que vivi, vivo e viverei.

Penso e concluo, que já passou da hora e do tempo de quebrarmos paradigmas. Homem chora sim! Sente dores, aflições, angústias e busca, se inteligente for, auxílio profissional capaz de ajudá-lo.

A psiquiatria e a psicologia, não são coisas de mulher. É coisa de humano, de homens também! Muitas dores e erros seriam evitados se quebrássemos certos estigmas.    

Adair Aquino

 

 

Fonte: Débora Clais e Adair Aquino